quinta-feira, 21 de maio de 2009


18 de Maio de 2009

Pequenos Tiranos


Frequentemente, em meu consultório, recebo pais se queixando de seus filhos, relatando que estes estão sem limites, se tornaram crianças incontroláveis, mimadas e cheias de vontades.
Questionando sobre esse relacionamento, sobre a dinâmica estabelecida entre os pais e os pequenos mimados, percebi uma intensa permissibilidade por parte destes pais e uma grande dificuldade de dizer “não”, de impor limites a estas crianças. Pais que são sempre amigos, que sequer levantam a voz para seus filhos.
Porque está tão difícil para estes pais exercer sus função parental, impondo limites com firmeza e deixando claro quem está no controle?
Queremos que as crianças sejam ou pareçam sempre felizes e satisfeitas. Parece que o desejo de ser bons pais os impede de colocá-los no lugar daquele que interdita e que faz cumprir a lei. O medo de frustrar seus filhos faz esses pais realizarem todas as demandas dos pequenos que, quando não atendidos, se jogam no chão, chorando aos berros, criando um verdadeiro espetáculo que já vimos diversas vezes em supermercados, lojas, shoppings ou até mesmo no meio da rua. Os pais, nestes momentos, olham constrangidos para as pessoas que passam, sem saber como agir com o pequeno tirano se debatendo no chão. Nós que passamos e presenciamos esta cena pensamos: “Porque esses pais não fazem nada?” Na verdade acho que a pergunta adequada é “Porque esse pai fez tudo, exceto agir como pai?”.
Essas crianças que parecem mais ditadoras controlam, com gritos e cenas, o comportamento dos pais, que cedem cada vez mais às suas vontades, enquanto os filhos se tornam cada vez mais difíceis de se conviver.
A história de que criança precisa de limite é antiga, mas ainda é verdade. Porém impor estes limites não é tão fácil assim. Isso coloca em jogo a necessidade de amor dos pais, o receio em punir demais, e o desejo de serem os melhores pais do mundo. Punir significa suportar o ódio, mesmo que momentâneo, da criança. Impor limites constitui, à duras penas, saber lidar com o choro revoltado do filho, sabendo que este é o melhor caminho.
Assisti recentemente um trecho do programa Supernany, que passa no SBT e fiquei assustada com o comportamento de uma menina de 5 anos que em menos de 10 minutos deu dois tapas no rosto da sua mãe, que olhava para a câmera e dizia não saber o que fazer. Fiquei mais assustada ainda ao saber que mais de 30 mil famílias concorrem para ter a chance de um conselho da tal babá (ou a um espaço na tela?) porque não sabem mais o que fazer com seus rebentos agressivos e sem limites.
Vivemos numa sociedade permissiva e estes pais são reflexos desta. É difícil estabelecer limite, mas estas interdições e demarcações do que é permitido e o que não é, são essenciais para a formação e desenvolvimento das crianças.
Por mais doloroso que seja para um pai dizer “não!”, é a partir deste não, deste limite, que as crianças tem a possibilidade de se constituir e de desenvolver.
Com certeza não existe uma fórmula de como lidar com os filhos, isso é o resultado de um caminho sinuoso e singular que cada pai deve construir com seu filho.


Fernanda Pimentel
Artigo publicado no Jornal A Orla

Freud disse que a Psicanálise era uma peste?



Terça-feira, 29 Abril, 2008 ·

Reportagem de 07 de Fevereiro de 2008 do Semanário de Portugal a respeito da célebre frase de Freud: “eles não sabem que lhes estamos a trazer a peste?” (português de Portugal)


”Numa conferência nos EUA, em 1909, Freud terá comentado com Jung, a propósito da psicanálise, que “eles não sabem que lhes estamos a trazer a peste?” O SEMANÁRIO questionou vários psicanalistas sobre a veracidade destas palavras e o sentido que Freud lhe quis dar. Coimbra de Matos, Carlos Amaral Dias, Celeste Malpique, Eurico Figueiredo, Eduardo Sá, Jaime Milheiro, João Seabra Diniz e Rui Coelho deram as suas opiniões.
Coimbra de Matos: “As ideias de Freud abalariam o statu quo da moralidade sexual burguesa”“O termo ‘peste’ deve ser interpretado em sentido metafórico – as ideias de Freud eram, efectivamente, revolucionárias e abalariam o statu quo da moralidade sexual burguesa.”
Carlos Amaral Dias: “A ciência do inconsciente foi, sem dúvida, uma ‘peste’ que perplexizou as ciências médicas, sociais e humanas.”Tudo indica que Freud terá proferido o comentário em epígrafe ou pelo menos, algo muito semelhante.Considero particularmente feliz a metáfora, já que a ciência do inconsciente foi, sem dúvida, uma “peste” que perplexizou as ciências médicas, sociais e humanas.
Celeste Malpique: “Notando o pragmatismo e o puritanismo americano logo pressentiu que não se aperceberam de quanto a Psicanãlise era subversiva.”Freud fez realmente esse comentário quando em 1909 visitou os USA a convite de Stanley Hall,da Univ. de Clark em Worcester.Foi muito bem acolhido,fez conferências muito claras e interessantes e sentiu-se aceite ,o que não acontecia no meio científico europeu.Bom observador ,como era ,notando o pragmatismo e o puritanismo americano logo pressentiu que não se aperceberam de quanto a Psicanãlise era subversiva,e que também ali, surgiriam resistências.Como se veio a verificar na divulgação da Teoria e numa certa superficialidade e deturpação do método psicanalítico.
Eurico Figueiredo: “Não vejo que o aumento da nossa liberdade de nos utilizarmos e de interagir com os outros seja ‘peste’.”A pergunta, para evitar o problema da sua veracidade, poderá ser feita pelo Sr Director: “Trouxe a psicanálise a peste ao mundo?” A minha resposta é de modo nenhum: a Psicanálise é uma prática que aumenta a liberdade do analisando libertando-o de repetir comportamentos que resultaram de uma aprendizagem empobrecedora. Não vejo que o aumento da nossa liberdade de nos utilizarmos e de interagir com os outros seja “peste”.
Jaime Milheiro: “O puritanismo americano foi certamente um despertador para tal expressão.”Trata-se de uma excelente metáfora, perfeitamente compreensível na inteligência de Freud. O puritanismo americano, mais vincado na altura do que no momento presente, foi certamente um despertador para tal expressão em tal sítio, embora a sua “peste” tenha valor universal.
João Seabra Diniz: “Freud não se considerava um empestado, mas tinha boas razões para pensar que muitos poderiam imaginar que ele andava a espalhar a peste.”Admito que Freud pudesse ter feito este comentário. Estava, desde há anos, empenhado no estudo do funcionamento do psiquismo humano. A investigação dos processos psíquicos inconscientes, bem como a descoberta da sexualidade infantil representavam elementos de grande novidade que tinham mesmo provocado escândalo. As suas concepções vinham obrigar a uma profunda revisão da imagem tradicional do homem como ser pensante, determinado por motivos racionais, e da ideia idílica que se fazia da infância e da inocência que lhe era atribuída. A grande obra que é a ‘Interpretação dos Sonhos’ é de 1900. Os ‘Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade’ são de 1905. Quando em 1909 teria proferido esta frase, tinha já ampla e dura experiência de que as suas ideias, por inovadoras e brilhantes que fossem, não só não despertavam entusiasmo mas provocavam em muitos rejeição indignada. Freud não se considerava um empestado, mas tinha boas razões para pensar que muitos poderiam imaginar que ele andava a espalhar a peste. Se de facto proferiu esta frase, a ironia que ela contem parece-me traduzir este sentimento.”
Rui Coelho: “O papel da sexualidade na estruturação identitária do indivíduo era claramente revolucionária para a época.”Penso que o termo “peste” foi empregue em sentido metafórico; isto é, o pensamento de Freud, em 1909, era praticamente desconhecido nos EUA e as cinco palestras proferidas em alemão, então, a convite do reitor da Clark University, Stanley Hall, foram posteriormente traduzidas por H. W. Chase como “The Origin and Development of Psychoanalysis” e publicadas no American Journal of Psychology, XXI: 2, 3 (1910). Assim, toda a valorização já então referida pela investigação psicanalítica acerca das relações precoces (mãe/pai/bebé) e do papel da sexualidade na estruturação identitária do indivíduo era claramente revolucionária para a época.
Eduardo Sá: “Num mundo de pessoas normalizadas chamarmos a atenção para o que temos cá dentro, seria uma janela de compreensão que, depois de aberta, não voltaria, de novo, a ser fechada”Terá proferido. Mas devemos contextualizá-lo. Freud estaria a falar de um modo metafórico. Isto quer dizer que, num mundo onde a intimidade e a subjectividade humanas pareciam ser descartáveis, chamar a atenção para os componentes animais de algumas das nossas reacções ou para a nossa competência para pensarmos, muito para além da nossa intenção para o fazermos, era – naquela altura como hoje – uma espécie de peste. Responsabilizava-nos mais como pessoas, mobilizava-nos para a autenticidade e alertava-nos para a prevalência das nossas relações significativas (quer no sentido da saúde como no do adoecer psíquicos).Num mundo de pessoas normalizadas chamarmos a atenção para o que temos cá dentro, seria uma janela de compreensão que, depois de aberta, não voltaria, de novo, a ser fechada.”


postado por Flávia Albuquerque – Psicanalista – (21) 9792-8326 / flavia@pontolacaniano.com.br ou fmaa@uol.com.br


terça-feira, 5 de maio de 2009

SENTAR-SE À JANELA

SENTAR-SE À JANELA
Alexandre Garcia

Era criança quando, pela primeira vez, entrei em um avião.
A ansiedade de voar era enorme.
Eu queria me sentar ao lado da janela de qualquer jeito, acompanhar o vôo desde o primeiro momento e sentir o avião correndo na pista cada vez mais rápido até a decolagem.
Ao olhar pela janela via, sem palavras, o avião rompendo as nuvens, chegando ao céu azul. Tudo era novidade e fantasia.
Cresci, me formei, e comecei a trabalhar. No meu trabalho, desde o início, voar era uma necessidade constante.
As reuniões em outras cidades e a correria me obrigavam, às vezes, a estar em dois lugares num mesmo dia.
No início pedia sempre poltronas ao lado da janela, e, ainda com olhos de menino, fitava as nuvens, curtia a viagem, e nem me incomodava de esperar um pouco mais para sair do avião, pegar a bagagem, coisa e tal.
O tempo foi passando, a correria aumentando, e já não fazia questão de me sentar à janela, nem mesmo de ver as nuvens, o sol, as cidades abaixo, o mar ou qualquer paisagem que fosse.
Perdi o encanto. Pensava somente em chegar e sair, me acomodar rápido e sair rápido.
As poltronas do corredor agora eram exigência . Mais fáceis para sair sem ter que esperar ninguém, sempre e sempre preocupado com a hora, com o compromisso, com tudo, menos com a viagem, com a paisagem, comigo mesmo.
Por um desses maravilhosos 'acasos' do destino, estava eu louco para voltar de São Paulo numa tarde chuvosa, precisando chegar em Curitiba o mais rápido possível.
O vôo estava lotado e o único lugar disponível era uma janela, na última poltrona. Sem pensar concordei de imediato, peguei meu bilhete e fui para o embarque.
Embarquei no avião, me acomodei na poltrona indicada: a janela. Janela que há muito eu não via, ou melhor, pela qual já não me preocupava em olhar.
E, num rompante, assim que o avião decolou, lembrei-me da primeira vez que voara. Senti novamente e estranhamente aquela ansiedade, aquele frio na barriga. Olhava o avião rompendo as nuvens escuras até que, tendo passado pela chuva, apareceu o céu.
Era de um azul tão lindo como jamais tinha visto. E também o sol, que brilhava como se tivesse acabado de nascer.
Naquele instante, em que voltei a ser criança, percebi que estavadeixando de viver um pouco a cada viagem em que desprezava aquela vista.
Pensei comigo mesmo: será que em relação às outras coisas da minha vida eu também não havia deixado de me sentar à janela, como, por exemplo, olhar pela janela das minhas amizades, do meu casamento, do meu trabalho e convívio pessoal?
Creio que aos poucos, e mesmo sem perceber, deixamos de olhar pela janela da nossa vida.
A vida também é uma viagem e se não nos sentarmos à janela, perdemos o que há de melhor: as paisagens, que são nossos amores, alegrias, tristezas, enfim, tudo o que nos mantém vivos.
Se viajarmos somente na poltrona do corredor, com pressa de chegar, sabe-se lá aonde, perderemos a oportunidade de apreciar as belezas que a viagem nos oferece.
Se você também está num ritmo acelerado, pedindo sempre poltronas do corredor, para embarcar e desembarcar rápido e 'ganhar tempo', pare um pouco e reflita sobre aonde você quer chegar.
A aeronave da nossa existência voa célere e a duração da viagem não é anunciada pelo comandante. Não sabemos quanto tempo ainda nos resta. Por essa razão, vale a pena sentar próximo da janela para não perder nenhum detalhe.

Afinal, a vida, a felicidade e a paz são caminhos e não destinos.