domingo, 29 de agosto de 2010

Evan Perry - Garoto Interrompido

"NUNCA É TARDE DEMAIS"
(Evan Perry)


Sempre que tenho acesso a um programa cultural excelente, fico desolado de pensar que poucas pessoas terão a mesma chance.
Continuarão a ver as bobagens TVGlobais numa Índia de pastiche.


No caso, um documentário da HBO-HD chamado GAROTO INTERROMPIDO (Boy Interrupted), EUA, 2008.
A história real de um inteligente garoto rico de Nova Iorque, portador da doença que antigamente se chamava PSICOSE MANÍACO-DEPRESSIVA e hoje se chama Doença Bipolar. Há poucos anos sequer se reconhecia que esta doença existia em crianças.
Depois de uma traumática vida de internamentos e remédios, aos 15 anos se suicida.


A mãe DANA PERRY é diretora de cinema e o pai também trabalha na indústria de filmes. Ela é a diretora do documentário, feito com um vasto acervo da vida do personagem.
Um filme enormemente sensível, num tema hiperdelicado e feito por pessoas de grande tato e coragem.
A morte de um filho adolescente nestas circunstâncias é um dos eventos mais dolorosos que algum ser humano pode viver.
Encontrar forças prá continuar, entender o inexplicável ato e dividir com os outros tudo isto, é um grande exercício de sentimento.


O filme nunca foi lançado no Brasil, prá variar. É uma produção HBO, que tem apresentado uma série de documentários de tirar o chapéu.
As fotos são de divulgação do filme.



" Conversar... realmente ajuda.
Um dos principais problemas de doença mental e suicídio é a relutância em falar sobre eles. Como se fossem uma deficiência de caráter e não uma doença verdadeira, como na realidade é."
de uma entrevista com a mãe e diretora do filme DANA PERRY,
do site de divulgação do filme.

POR José Carlos Cordeiro Freire

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

DIA DO PSICÓLOGO

O profissional de psicologia é, como o próprio nome da teoria sugere, um conhecedor da mente humana. A palavra deriva do grego e significa psyche (mente ou alma) e logos (conhecimento), ou seja, "ciência da alma": sua definição mais antiga. Tudo começou com os filósofos, os primeiros a fazer especulações em relação a problemas psicológicos, em busca de respostas sobre a natureza da alma e de sua relação com o corpo. Daí o costume de se dizer que a filosofia é a mãe da psicologia ou que os filósofos foram os precursores dos psicólogos.
Hoje, a definição da psicologia é outra e cabe ao psicólogo "estudar os fenômenos da mente e do comportamento do homem com o objetivo de orientar os indivíduos a enfrentar suas dificuldades emocionais e ajudá-los a encontrar o equilíbrio entre a razão e a emoção".

O objeto de estudo do psicólogo é o comportamento humano e o seu principal objetivo é compreender o homem.

Apesar desse intuito de compreensão não ser uma característica somente do profissional de psicologia - temos também o antropólogo, o sociólogo e o economista procurando o mesmo -, fica visível que estes dão ênfase, sobretudo, aos grupos e sociedades, enquanto aquele se fixa no indivíduo.

Isto também não significa que o psicólogo só veja o indivíduo em separado, fora do coletivo, mas sim que enxerga o homem como a unidade do grupo.

Veja algumas das divisões desse estudo:

- psicologia da personalidade - ocupa-se dos diagnósticos e desenvolvimento das personalidades.
- psicologia social - estuda o comportamento dos indivíduos dentro do grupo.
- psicologia comparativa - compara o comportamento animal com o do homem.
- psicologia do desenvolvimento - avalia as mudanças que acontecem com o indivíduo.
- psicologia experimental - analisa os fenômenos psicológicos com fenômenos naturais, em condições monitoradas em laboratório.
- psicologia clínica - tratamento das neuroses e demais problemas psíquicos.

Para quem anda pensando em seguir essa profissão, alguns conhecimentos podem ajudar a se definir na escolha. Uma delas é saber sobre o seu futuro campo de atuação, ou seja, onde e como poderá trabalhar.

O psicólogo pode atuar não apenas em consultórios, mas ainda em escolas, dando orientação vocacional; em empresas, participando de processos de seleção de funcionários; em hospitais, atendendo a pacientes e seus familiares; e mesmo na área de pesquisa, avaliando perfil do consumidor.

Também pode trabalhar como psicólogo esportivo, preparando os atletas emocionalmente, ou como psicólogo educacional, auxiliando pais e professores a solucionar problemas de aprendizagem.

O campo é bem amplo. A psicologia jurídica é outra área desse universo de opções. Como psicólogo jurídico, você vai acompanhar processos de adoção ou de violência a menores ou, em caso de presídios, avaliar os detentos.

Seja qual for a sua escolha, o importante é saber que você vai estar lidando com pessoas em seus sentimentos, medos e desejos. E que isto requer muito cuidado.
O curso de psicologia vai dar a você, nos períodos iniciais, uma visão dos diferentes aspectos da psicologia: história, teoria e principais correntes.

Também haverá aulas enfocando matérias sobre saúde, como neurologia, por exemplo.

Mais adiante é que o aluno vai se deparar com as disciplinas profissionalizantes e optativas, como pedagogia do excepcional, problemas de aprendizagem e orientação vocacional. Nesse momento, é a hora de optar por uma área de especialização.

No caso de quem pretende clinicar, o estágio é obrigatório, mas todos, uma vez formados, deverão se registrar no Conselho Regional de Psicologia.

O curso tem duração de quatro anos, para o bacharelado, e cinco, para quem deseja ainda a formação clínica, para atendimento em consultório.

Fonte: IBGE Teen

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

COMPORTAMENTO

Criança pode escolher ser menino ou menina? Veja o que os especialistas dizem
Comportamento da celebridade-mirim Shiloh Jolie-Pitt chama a atenção

ANELISE ZANONI | anelise.zanoni@zerohora.com.br


Assim que veio ao mundo, Shiloh foi recebida por flashes. Estampou capa de revistas, teve o semblante comparado com os pais e desfilou, ao lado da mãe, modelitos de vestidos e sapatinhos de boneca.

Primeira filha legítima dos atores Angelina Jolie e Brad Pitt, a menina se transformou agora no centro de um polêmico debate: aos quatro anos, quer ser um menino.

O desejo de usar calça jeans masculina, camisetões e bermudas — justificado pela famosa mãe como um gosto próprio da pequena, que, segundo ela, "pensa que é como os irmãos" — foi acatado. Hoje, Shiloh é confundida com o irmão mais novo quando está na rua, porque teve o cabelo cortado e se veste como um guri.

— Alimentar essa vontade da criança pode revelar a perturbação da identidade sexual dos próprios pais. O transtorno de gênero pode afetar diversas áreas da vida da menina e trazer problemas futuros, como quadros de depressão e dificuldade de interação social — explica o psicanalista gaúcho Roberto Barberena Graña, especializado em crianças e adolescentes.

As possíveis consequências na vida de uma criança que vive um gênero oposto ao seu (masculino ou feminino) são explicadas por questões sociais. Desde que nascem, ou quando estão na barriga da mãe, os bebês são inseridos em uma categoria definida: menino ou menina. É quando todos o classificam de acordo com a biologia e passam a comprar roupas com cor relacionada ao sexo e brinquedos diferenciados. A criança fica acostumada com esses conceitos e é tratada de acordo com o gênero que tem. Mas, quando decide ser diferente e assumir outro gênero, uma série de mudanças ocorre a sua volta.

— A distinção entre homem e mulher é básica para a compreensão de nós mesmos enquanto seres humanos. Ela regula o modo como os indivíduos são tratados, os papéis que desempenham na sociedade e as expectativas sobre o modo de se comportar e se sentir — afirma a professora de Educação da Universidade de Londres Carrie Paechter, autora do livro Meninos e Meninas (Artmed, 192 páginas).

Ela explica que, nos anos iniciais, a família é a base para o desenvolvimento da compreensão infantil do que homens e mulheres, meninos e meninas fazem e de como essas atividades podem variar de acordo com o sexo de cada um. Crianças menores demonstram tendência à generalizações e tiram conclusões sobre o masculino e o feminino a partir daquilo que enxergam — é possível que Shiloh, por exemplo, veja com encanto o mundo que cerca os irmãos.

Os pais, entretanto, não precisam se preocupar se o filho gosta de brincar com bonecas ou se a menina prefere se divertir com carrinhos ou espadas. A preferência só se torna preocupante se for corriqueira, obsessiva, diz Graña.

— Os pais participam mais ou menos ativamente na produção do transtorno. O comportamento compulsivo deve ser bem observado, e o incentivo leva à construção de um problema maior, ligado ao lado social e ao desenvolvimento da criança. Se os padrões puderem ser analisados precocemente, é possível corrigi-los — afirma Graña.



Pulando de um lado para outro



Sexo é trabalho da genética, gênero se constrói. Para que os dois andem em harmonia na vida de uma criança, é preciso ter identidade de homem ou de mulher e perceber os símbolos e significados do que é masculino e feminino.

Só que, quando sexo e gênero se contrapõem para a criança, uma série de desafios surge, principalmente na vida dos pais.

Para o psicanalista Roberto Barberena Graña, autor do livro Transtornos da Identidade de Gênero na Infância (Editora Casa do Psicólogo, 282 páginas), o caso de Shiloh, por exemplo, pode estar ocorrendo devido a uma a distorção na matriz familiar do gênero. Ou seja, uma lacuna na identidade sexual do pai ou da mãe (ou dos dois) ou nas gerações passadas da família pode contribuir para o desejo da menina de ser e se vestir como um guri.

— Ela vive, com certeza, um momento pré-transexual, o que poderá evoluir para o transexualismo adulto — explica o especialista.

É importante dar liberdade para a criança escolher suas roupas e brinquedos. Entretanto, segundo Graña, quando há compulsão por algo do sexo oposto, há transtorno, que pode afetar áreas do desenvolvimento e trazer dificuldade de interação social, estado de retraimento, quadros de depressão, tentativa de suicídio infantil (ligada principalmente a acidentes domésticos), psicose, problemas na sala de aula, agitação e hiperatividade.

Para evitar os reflexos, ele indica a busca de um profissional para fazer uma avaliação mais precisa. Quanto mais cedo, melhor.

— Aos dois ou três anos, os pais já podem observar algum transtorno e buscar ajuda. Quanto mais precoce o diagnóstico, melhor a evolução clínica. O ideal é não esperar até a puberdade — avalia o especialista.

Os sinais mais comuns são o desejo compulsivo e repetitivo por atividades, brinquedos e roupas do sexo oposto. Meninos que desejam sempre vestir as roupas da mãe ou das irmãs, que se encantam por maquiagens, gurias que não querem saber das bonecas ou que preferem usar cuecas e brigam para não usar as roupas de menina, merecem ser observadas com mais atenção, diz o psicanalista.




ZERO HORA - MEU FILHO

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

NOVO BLOG DA PSI VESP 6 ° FASE

QUEM TIVER INTERESSE PELA LEITURA E ENTENDIMENTO DO LIVRO "A HISTÓRIA DA LOUCURA" DE Michel Foucault

Entre no nosso BLOG:
http://psicologia-historiadaloucura.blogspot.com/

Compreensão Sistêmica da Dinâmica Familiar


terça-feira, 10 de agosto de 2010

A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido

Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Don Quixote e Madame Bovary. O primeiro, coitado, de tanto ler aventuras de cavalheiros que jamais existiram meteu-se pelo mundo afora, a crer-se capaz de reformar o mundo, quilha de ossos que mal sustinha a si e ao pobre Rocinante. Quanto à pobre Emma Bovary, tomou-se esposa inútil para fofocas e bordados, perdendo-se em delírios sobre bailes e amores cortesãos.

Ler realmente não faz bem. A criança que lê pode se tornar um adulto perigoso, inconformado com os problemas do mundo, induzido a crer que tudo pode ser de outra forma. Afinal de contas, a leitura desenvolve um poder incontrolável. Liberta o homem excessivamente. Sem a leitura, ele morreria feliz, ignorante dos grilhões que o encerram. Sem a leitura, ainda, estaria mais afeito à realidade quotidiana, se dedicaria ao trabalho com afinco, sem procurar enriquecê-la com cabriolas da imaginação.

Sem ler, o homem jamais saberia a extensão do prazer. Não experimentaria nunca o sumo Bem de Aristóteles: o conhecer. Mas para que conhecer se, na maior parte dos casos, o que necessita é apenas executar ordens? Se o que deve, enfim, é fazer o que dele esperam e nada mais?

Ler pode provocar o inesperado. Pode fazer com que o homem crie atalhos para caminhos que devem, necessariamente, ser longos. Ler pode gerar a invenção. Pode estimular a imaginação de forma a levar o ser humano além do que lhe é devido.

Além disso, os livros estimulam o sonho, a imaginação, a fantasia. Nos transportam a paraísos misteriosos, nos fazem enxergar unicórnios azuis e palácios de cristal. Nos fazem acreditar que a vida é mais do que um punhado de pó em movimento. Que há algo a descobrir. Há horizontes para além das montanhas, há estrelas por trás das nuvens. Estrelas jamais percebida. É preciso desconfiar desse pendor para o absurdo que nos impede de aceitar nossas realidades cruas.

Não, não dêem mais livros às escolas. Pais, não leiam para os seus filhos, pode levá-los a desenvolver esse gosto pela aventura e pela descoberta que fez do homem um animal diferente. Antes estivesse ainda a passear de quatro patas, sem noção de progresso e civilização, mas tampouco sem conhecer guerras, destruição, violência. Professores, não contem histórias, pode estimular uma curiosidade indesejável em seres que a vida destinou para a repetição e para o trabalho duro.

Ler pode ser um problema, pode gerar seres humanos conscientes demais dos seus direitos políticos em um mundo administrado, onde ser livre não passa de uma ficção sem nenhuma verossimilhança. Seria impossível controlar e organizar a sociedade se todos os seres humanos soubessem o que desejam. Se todos se pusessem a articular bem suas demandas, a fincar sua posição no mundo, a fazer dos discursos os instrumentos de conquista de sua liberdade.

O mundo já vai por um bom caminho. Cada vez mais as pessoas lêem por razões utilitárias: para compreender formulários, contratos, bulas de remédio, projetos, manuais etc. Observem as filas, um dos pequenos cancros da civilização contemporânea. Bastaria um livro para que todos se vissem magicamente transportados para outras dimensões, menos incômodas. E esse o tapete mágico, o pó de pirlimpimpim, a máquina do tempo. Para o homem que lê, não há fronteiras, não há cortes, prisões tampouco. O que é mais subversivo do que a leitura?

É preciso compreender que ler para se enriquecer culturalmente ou para se divertir deve ser um privilégio concedido apenas a alguns, jamais àqueles que desenvolvem trabalhos práticos ou manuais. Seja em filas, em metrôs, ou no silêncio da alcova... Ler deve ser coisa rara, não para qualquer um.

Afinal de contas, a leitura é um poder, e o poder é para poucos.

Para obedecer não é preciso enxergar, o silêncio é a linguagem da submissão. Para executar ordens, a palavra é inútil.

Além disso, a leitura promove a comunicação de dores, alegrias, tantos outros sentimentos... A leitura é obscena. Expõe o íntimo, torna coletivo o individual e público, o secreto, o próprio. A leitura ameaça os indivíduos, porque os faz identificar sua história a outras histórias. Torna-os capazes de compreender e aceitar o mundo do Outro. Sim, a leitura devia ser proibida.

Ler pode tornar o homem perigosamente humano.




[Guiomar de Grammon, In: PRADO, J. & CONDINI, P. (Orgs.). A formação do leitor: pontos de vista. Rio de Janeiro - Argus, 1999. pgs.71-73.]

sábado, 7 de agosto de 2010

A arqueologia da alienação

por Fernando F. Nicolazzi

A História da loucura é o primeiro grande texto de Foucault; sua tese de doutoramento que tomou seu tempo durante quase toda a segunda metade da década de 50Trata-se de uma parte de sua prática nos trabalhos em clínicas psiquiátricas motivados por uma grande curiosidade sobre os princípios da psicologia. Tomado pela crítica como um ícone da anti-psiquiatria, é neste livro que nasce, em seu pensamento, a noção de arqueologia.

A arqueologia da alienação é o conceito que lhe permitiu tratar do "grau zero na história da loucura", ou seja, não daquilo que foi pensado sobre ela, mas daquelas que foram as condições de possibilidade para um pensamento sobre a loucura. Direcionando seu olhar a uma região de vazio, isto é, "uma região, sem dúvida, onde se trataria mais dos limites do que da identidade de uma cultura", Foucault quer "interrogar uma cultura sobre suas experiências limites (o que significa) questioná-la, nos confins da história, sobre um dilaceramento que é como o nascimento mesmo de sua história" . Em outras palavras: a arqueologia de 1961 é o que permite ouvir, no silêncio do tempo, a instauração originária do que são os limites de uma cultura, que lhe dão seus contornos e que definem, por assim dizer, as condições de sua historicidade: a arqueologia é o estudo de história naquilo que é ausência da história.
Mas de que forma se dá esta pesquisa que, por se colocar abaixo da história, não permite a utilização dos instrumentos da historiografia tradicional? Foucault é enfático: "não se trata de uma história do conhecimento, mas dos movimentos rudimentares de uma experiência". Deste modo, "fazer a história da loucura quererá então dizer: fazer um estudo estrutural do conjunto histórico" daquilo que constituiu a experiência da loucura na época clássica (séculos XVII-XVIII) – noções, instituições, conceitos científicos, práticas sociais, etc. Ainda que mais tarde, como veremos, Foucault reagirá ferozmente contra aqueles que o inseriram no estruturalismo, a linguagem utilizada por ele se deve, sobretudo, ao ambiente francês dos anos 50 e 60, de Barthes, Lacan, Lévi-Strauss e Althusser.

O que é certo, porém, é a peculiaridade do estudo estrutural realizado por ele. Muito diferente da pesquisa das estruturas sociais que desconsidera os eventos históricos como não significativos historicamente, na história da loucura os acontecimentos têm papel fundamental. Se Braudel afirmara em relação aos acontecimentos que, "para além de seu clarão, a obscuridade permanece vitoriosa", onze anos depois, para Foucault, os eventos pontuais se libertam de seu caráter obscuro e, com toda sua visibilidade, vão assumir uma função simbólica preponderante, pois que evidenciam a superfície cultural em relação a qual uma experiência da loucura toma lugar. Assim, discorrendo sobre a onda de internamento de mendigos, vagabundos, alienados, miseráveis que ocorreu na Europa no século XVII, a significação, quer espacial quer temporal, do internamento é vislumbrada a partir de datas de referência: em "1656, decreto da fundação, em Paris, do Hospital Geral"; "nos países de língua alemã, é o caso da criação das casas de correção, as Zuchthäusern (1620)"; "na Inglaterra, as origens da internação são mais distantes (...) um ato de 1575 prescreve a construção de houses of correction". A recorrência a datas significativas (um édito real, a construção de um hospital, um texto científico) é uma constante no livro. No entanto, os acontecimentos não significam isoladamente, e, em certos momentos, eventos de superfície não atingem as grandes estruturas. Portanto, "por trás da crônica da legislação (...), são essas estruturas que se tem de estudar".

A arqueologia, na relação que, enquanto estudo estrutural, mantém entre acontecimento e estrutura, se pretende algo além da mera "crônica das descobertas ou de uma história das idéias": define-se como a descrição "do encadeamento das estruturas fundamentais da experiência, a história daquilo que tornou possível o próprio aparecimento de uma psicologia". Aparecimento que encontra sua visibilidade em determinados acontecimentos significativos; acontecimentos que obedecem ao movimento temporal de estruturas históricas.

O surgimento da psicologia é visto como a ocorrência de um fato cultural motivado, sobretudo, por uma experiência da loucura. Roberto Machado e, seguindo-o, André Queiroz atribuem a esta "experiência fundamental" um caráter originário das figuras da loucura, para o primeiro, e, para o segundo, uma certa continuidade trans-histórica que impossibilitaria uma descontinuidade absoluta na história das percepções da loucura. O posicionamento arqueológico é, portanto, não um simples método historiográfico, mas o lugar onde é preciso se colocar para analisar aquilo que é um pouco anterior à história, que é mesmo sua condição de possibilidade: uma continuidade muda e fundamental que faz ecoar as figuras históricas da loucura.

Finalmente, por ser originária de uma certa história, a experiência da loucura está além do próprio saber sobre ela e, por conseguinte, do próprio sujeito que conhece: ela se encontra no nível da simples percepção, anterior à tomada de consciência: "o medo diante da loucura, o isolamento para o qual ela é arrastada, designam, ambos, uma região bem obscura onde a loucura é primitivamente sentida – reconhecida antes de ser conhecida – e onde se trama aquilo que pode haver de histórico em sua verdade imóvel". Se a história pode, realmente, ser feita por sujeitos que a conhecem, ela nasce ali mesmo onde não há sujeito de conhecimento, onde o perceptivo impera anterior ao cognitivo, onde o medo se sobrepõe ao saber, aonde, enfim, só uma arqueologia pode dirigir seu olhar e, de fato, vislumbrar uma história.

As Histórias de Michel Foucault
Fernando F. Nicolazzi
Mestrando - UFRGS
teobaldorios@hotmail.com