terça-feira, 16 de junho de 2009

Lacan cem anos depois

O psicanalista Jorge Forbes fala sobre a importância do psicanalista francês para o pensamento moderno e explica por que o brasileiro é um otimista

No último dia 13 de abril, foi comemorado o centenário de nascimento do psicanalista francês Jacques Lacan, o homem que, a partir de Freud, reinventou a psicanálise. Mas nem todos festejaram a data. Intempestivo, polêmico, hermético e genial, Lacan arrebatou admiradores e inimigos quase na mesma proporção. Parte do primeiro time, o psicanalista Jorge Forbes, 49 anos, de São Paulo, é um dos maiores especialistas em Lacan no País. Divide com alguns poucos o mérito de introduzir a obra lacaniana no Brasil. “Sem Lacan, a psicanálise não existiria”, provoca Forbes. Nesta entrevista, o ex-presidente da Escola Brasileira de Psicanálise fala sobre a importância de Lacan para o pensamento moderno e aborda também outros temas, como angústia, depressão e um certo caráter do povo brasileiro.

ISTOÉ – Qual é o legado deixado por Jacques Lacan?
Jorge Forbes – Jacques Lacan pode ser considerado o mais importante psicanalista depois de Sigmund Freud. Sem ele, hoje não existiria a psicanálise. Ele teve a condição de continuar o cerne da descoberta freudiana, que é o de permitir a cada pessoa saber qual é a sua forma particular de desejar, de amar, sem ser obrigado a entrar nessa plastificação do mundo atual.

ISTOÉ – Por que fazer uma análise lacaniana?
Forbes – Análise lacaniana é a mais compatível com o sujeito pós-moderno. Nós estamos vivendo uma época na qual existe uma horizontalidade maior entre as pessoas – diferente da era anterior, em que tínhamos modelos piramidais de organização. O sujeito pós-moderno tem uma forma de significação que ultrapassa a ordem paterna. E foi Lacan que propôs a condução de uma análise além do Édipo, além do modelo freudiano típico e, portanto, mais compatível com o sujeito pós-moderno.

ISTOÉ – O sr. conheceu Lacan. Que impressão teve dele?
Forbes – Conheci-o com 75 anos. Era impressionante o vigor e a vontade de ir além. Dava a impressão de que não perdia um momento na vida. Era uma pessoa muito receptiva, do jeito dele. Mesmo muito famoso, bastava telefonar e ele te recebia. Qualquer ambiente em que entrasse, se fazia imediatamente notar, mesmo que não abrisse a boca. Era um analista o tempo todo.

ISTOÉ – O tempo da sessão virou o grande cavalo de batalha da psicanálise lacaniana. Algumas dessas sessões, por sinal caríssimas, duravam segundos. O que é mito e o que é verdade?
Forbes – Ah, essa é uma crítica sempre repetida. Tem até uma historiadora conhecida que afirma em artigos que Lacan teria diminuído o tempo da sessão porque tinha muita gente na sala de espera. Vejo essas declarações com certo desalento. Não basta conhecer história. É preciso conhecer psicanálise para se falar dela. O tempo de uma sessão para Lacan é fundamental, faz parte da própria análise. As decisões que uma pessoa toma têm sempre o tempo como um dado do próprio problema. Portanto, mais ou menos tempo, muda o dado e assim muda a conclusão.

ISTOÉ – Por que a análise é cara?
Forbes – As pessoas acham caro porque elas estão acostumadas a pensar o uso do dinheiro na relação custo/benefício. E é muito difícil medir quanto você investe em uma análise tendo esse termômetro. Se você vai a um médico e tem um nariz feio e ele diz “você me paga R$ 1 mil e eu o transformo”, você tem uma relação clara de custo/benefício. Quando você vai para uma análise, o termômetro não é nem padronizado nem exterior. As pessoas se embaralham. E esse embaralhamento é utilizado na análise. Portanto, tal qual o tempo, o pagamento é um fator que o profissional utiliza como instrumento terapêutico. Um dos objetivos é que cada um ponha em questão seu referencial de valor. E o dinheiro é um dos parâmetros nos quais a questão do valor caminha.

ISTOÉ – O Brasil tem uma das melhores escolas de psicanálise do mundo. O brasileiro precisa de análise?
Forbes – O brasileiro ama o seu inconsciente. Isso explica por que o Brasil é um dos países no qual a psicanálise é mais desenvolvida. Uma das qualidades do povo brasileiro é de não se levar muito a sério. Ele tem sempre uma certa desconfiança, sadia e gaiata. Essa qualidade é que o faz sensível às formações do inconsciente. A psicanálise vai mal em países totalitários. Por isso, a Alemanha nazista a baniu. Menos seriamente, sociedade na qual todos gostam do mesmo queijo não é lugar para a psicanálise.

ISTOÉ – Essa desconfiança gaiata é que faz o brasileiro encarar com bom humor certas angústias que o afligem?
Forbes – Um ditado popular diz que o brasileiro não se preocupa muito com a sua história porque amanhã ela irá se transformar em enredo de escola de samba. A identidade do brasileiro está voltada para o futuro e não para o ontem. Ele acredita no futuro. Essa qualidade minora as dificuldades que enfrenta no dia-a-dia. Quando bem usado, é um de seus tesouros.

ISTOÉ – O sr. fez referência ao homem pós-moderno. Qual é a posição dele na nova organização social?
Forbes – A globalização está provocando mudanças em homens e mulheres. Antes, as pessoas buscavam pertencer a grandes corporações ou ter profissões reconhecidas como de “doutor”: médico, engenheiro ou advogado. Hoje, não é mais isso que se espera. Não é uma honra ficar no mesmo emprego e o leque profissional é muito mais amplo. A globalização pulverizou os ideais, exigindo a cada um se defrontar com a angústia da escolha: será que você quer realmente o que deseja?

ISTOÉ – Então a globalização pode ser benéfica ao indivíduo...
Forbes – Cada pessoa tem mais chance de provar a que veio. De inovar. Ao mesmo tempo sofre mais com isso. Não há mais um caminho definido. Isso está causando uma epidemia de depressão. O homem está desbussolado. O problema é saber o que ele realmente quer. Como Freud dizia, não existe uma organização social perfeita. Quando a sociedade muda, você tem novas soluções e novos problemas. Antigamente, o jovem dizia que não tinha liberdade de escolha. Hoje, ele tem essa liberdade e se sente perdido. Por não saber o que fazer, acha que tudo o que faz é pouco. E quando chega a essa conclusão, se deprime ou se droga. Mas é bom lembrar que os próprios jovens nos indicam soluções. A música eletrônica e os esportes radicais surgem como novas formas de lidar com o mundo moderno.
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