domingo, 17 de abril de 2011

A economia da infância

14/03/2007 - 12:36

Edição nº 460

O economista Flavio Cunha fala sobre os investimentos na educação antes dos seis anos
Ana Aranha


Dar acesso a creches e pré-escolas não é só questão de cumprir os direitos das crianças com menos de seis anos. É também investimento estratégico para o governo. Foi essa uma das conclusões de estudo feito pelo economista Flavio Cunha em parceria com o prêmio Nobel em Economia James Heckman e outros pesquisadores da Universidade de Chicago. Eles compararam a trajetória de crianças que receberam educação entre os 4 e os 6 anos com outras que só entraram na escola na 1a série.



ÉPOCA - Na vida adulta, qual a diferença entre criança que passaram e não passaram pelos programas pré-escolares?

Flavio Cunha - Nos Estados Unidos, programas de primeira infância como o Programa Pré-escolar Perry aumentaram em quatro vezes o número de crianças que quando adultos tiveram renda superior a dois mil dólares mensais. Reduziram em 50% o número de crianças que utilizaram o seguro desemprego, o que é uma boa medida para o grau de empregabilidade dessas crianças quando adultas. Para os garotos, o efeito mais importante está na redução da participação em atividades ligadas ao crime. Um programa similar encontrou efeitos na redução do problema de reprovação escolar em quase 50% e quase triplicou o número de crianças que freqüentaram a universidade.



ÉPOCA - O que é o fator de “retorno do investimento em capital humano”, de que o senhor fala na pesquisa?

Flavio Cunha -É o mesmo conceito do retorno do investimento numa ação da Petrobrás. Você compra ações e a empresa utiliza os seus recursos para fazer investimentos. Por exemplo, encontrar novos campos de produção. Alguns períodos após o investimento você recebe dividendos. Assim, se investir cem reais e receber cinco reais de dividendos, você tem retorno de cinco reais e, portanto, uma taxa de 5%. O mesmo conceito se aplica ao capital humano. Para se tornar jornalista, você provavelmente cursou uma faculdade. Este é o investimento que você fez. O retorno deste investimento é que você tem um salário maior do que aquele que você teria se não tivesse cursado uma faculdade. Estudos nos EUA mostram que cada ano de estudo aumenta o salário em torno de 10%. Para o Brasil existe evidência que a taxa de retorno é ainda mais elevada.



ÉPOCA - Quer dizer que, quanto antes se investe no aluno, maior o retorno de capital humano?

Flavio Cunha -Os investimentos na mais tenra idade apresentam retornos elevados pois produzem habilidades que são muito básicas, e que servem para a aquisição de habilidades mais avançadas. Por exemplo, os seres humanos não nascem com a visão plenamente desenvolvida. De fato, nós “aprendemos” a enxergar rapidamente nos primeiros meses de vida. Por causa disso, crianças que venham a nascer com catarata devem ser tratadas imediatamente, pois do contrário elas ficarão cegas para o resto da vida. Uma das vantagens de conseguir ver bem é que se torna mais fácil aprender a ler e escrever. Tanto a leitura quanto a escrita são habilidades muito importantes nos dias modernos. As usamos para nos divertir, para trabalhar, para aprender.

Assim como no caso da visão, é muito mais fácil alfabetizar uma criança do que um adulto. Nós estamos aprendendo essa lição agora vendo os resultados do Programa Brasil Alfabetizado. Portanto, as habilidades produzidas na mais tenra idade tem um retorno elevado, pois elas são utilizadas para adquirir outras habilidades. Assim, investimentos que ocorrem cedo geram um ciclo virtuoso onde habilidade produz habilidade.



ÉPOCA - Na sua avaliação quais deveriam ser as prioridades de investimento para educação infantil no Brasil?

Flavio Cunha -O governo atua no processo de educação principalmente através das escolas. Se conseguirmos melhorar a qualidade das escolas melhoraremos a qualidade da educação no Brasil. Isso é o óbvio. O que é menos óbvio é como melhorar a qualidade da escola. Para responder essa pergunta temos que desenvolver uma disciplina de propor experimentos juntamente com coleta e análise de dados que levem a compreensão do problema. Necessitamos dados. Não existe outra maneira de entender e resolver o problema.

A evidência mostra que não necessariamente gastar mais gera automaticamente melhorias. Por exemplo, podemos colocar computadores em todas as escolas. Isso aumenta o gasto, mas o impacto sobre a qualidade depende de como ele será usado. Se o computador ficar desligado porque o professor não sabe como utilizá-lo estaremos apenas desperdiçando recursos. A questão que temos que responder é: quais são os tipos de práticas educacionais que tornam o processo educacional mais eficiente?

Ao invés de gastar milhões poderíamos começar comprando computadores para 100 escolas e fazer experimentos. Por exemplo, 33 usariam para o professor explicar a matéria. Outras 33 para o aluno fazer exercícios, corrigidos em tempo real. Nas outras 34 os computadores seriam usados apenas na administração. Depois, mensuramos os ganhos em qualidade em cada uma dessas escolas e comparamos qual estratégia foi mais eficiente. Com esse conhecimento podemos prosseguir com a política e distribuir computadores juntamente com um plano de utilização.



ÉPOCA - Qual o papel da iniciativa privada? Quais responsabilidades as empresas poderiam assumir para ajudar a dar a conta do problema?

Flavio Cunha -Eu acho que a iniciativa privada tem um interesse estratégico nessa questão, pois quanto mais educada for a mão-de-obra brasileira, mais produtivas serão as nossas empresas e isso as permitirá competir mais fortemente no mercado global. As empresas podem participar da solução do problema financiando diretamente a pesquisa em programas de primeira infância no Brasil. Alternativamente, elas podem financiar experimentos para tentar melhorar a qualidade do ensino fundamental e médio. Essa tradição de apoio e subsídio a pesquisa já existe nos EUA, mas no Brasil é muito limitada.



ÉPOCA - Os programas de educação na primeira-infância que o senhor analisou não investem apenas nas escolas. Quais são as outras frentes de investimento determinantes?

Flavio Cunha -Nós analisamos diferentes tipos de programas de primeira infância. Nos Estados Unidos tais programas melhoraram a proficiência das crianças em matemática e inglês, reduziram a reprovação escolar e aumentaram o número de alunos com o segundo grau completo. Talvez o programa de primeira infância mais famoso seja o Programa Pré-escolar Perry. Ele oferece aulas para as crianças e também para as mães. Enquanto as crianças aprendem noções básicas de aritmética e inglês, as mães adquirem conhecimentos que serão importantes para exercer bem o seu papel. Eu acredito que aí está o segredo do sucesso do Perry: não somente o programa começa quando as crianças ainda são muito jovens, mas também faz com que as mães estejam mais preparadas e amparadas para educar seus filhos. O treinameno da mãe ao longo do processo é a diferença fundamental entre programas de primeira infância e creches. Para o caso brasileiro, eu não acredito que somente o aumento da oferta de vagas em creches venha a resolver o problema.



ÉPOCA - Na sua avaliação, preparar os pais é mais, menos ou tão importante quanto ter uma boa rede de creches e pré-escolas?

Flavio Cunha -A educação não é uma obrigação exclusiva das escolas e dos professores. O processo educacional começa em casa. Por exemplo, aos três anos, os filhos dos pais que têm diploma universitário possuem um vocabulário três vezes maior do que os filhos dos pais que não completaram o segundo grau. Isso é medido antes do começo da escola. Mas não devemos encarar a questão da educação como melhorar isso ou aquilo. É importante melhorar ambos. Pais e professores desempenham papéis complementares na educação das crianças.

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