sexta-feira, 17 de abril de 2009

Genética e Psicanálise

*Por Mayana Zatz
O diagnóstico de uma doença genética pode causar um impacto muito negativo nos pacientes afetados e nos seus familiares. Como ajudar as pessoas a lidar com o diagnóstico de uma doença que freqüentemente tem caráter progressivo e pode atingir vários membros de uma mesma família? Essa tem sido uma preocupação antiga. Há cerca de dois anos, o médico psicanalista Jorge Forbes e sua equipe nos propuseram uma nova abordagem psicanalítica e desde então eles vêm interagindo com os nossos pacientes. Os resultados têm sido surpreendentes.

VEJA.com - Qual é o impacto que o diagnóstico de uma doença neurodegenerativa causa no paciente e nos seus familiares?
Jorge Forbes - O primeiro impacto é um grande ponto de interrogação. Surgem perguntas aflitas querendo mais detalhes da doença e, especialmente, da sua evolução, de em quanto tempo os sintomas vão se agravar. A pessoa, passado o momento inicial geralmente vivido com raiva e revolta, é levada a se resignar ao seu 'triste destino'. Por sua vez, a família entra em um estado de compaixão, pelo doente. Instala-se assim um perigoso vírus social que nomeamos de RC, iniciais de Resignação e Compaixão, que prejudica a pessoa em ao menos dois aspectos: piora o estado imediato da doença, pela precipitação do sofrimento, e piora a evolução da doença, pois a resignação é terreno fértil para velocidade dos processos mórbidos.
VEJA.com - Como quebrar esse círculo vicioso: resignação e compaixão?
Jorge Forbes - O fundamental é devolver à pessoa afetada a responsabilidade pelo seu destino, fazendo ela sair do estado de sofrimento "prêt-à-porter", no qual ela tende a se alienar. A quebra desse círculo vicioso e viciado, se dá por uma posição psicanalítica que, manejando a angústia, facilita o deslocamento da posição resignada. Temos vários exemplos para ilustrar o 'como' se faz isso.
VEJA.com - O que é sofrimento prêt-à-porter?
Jorge Forbes - É um dos comportamentos padronizados pela nossa sociedade. É a roupa emocional que vestimos quando não sabemos bem como expressar o que sentimos.
Por exemplo: espera-se que você se divirta quando vai a Disneylandia e que chore quando toma injeção.
VEJA.com - Uma pesquisa recente, publicada na revista americana PNAS mostrou pela primeira que fatores ambientais podem mudar a expressão dos genes. O trabalho foi feito em pacientes com câncer de próstata.
Você acha que isso poderia também ocorrer com os genes cerebrais?
Jorge Forbes - Penso que sim, com os genes cerebrais e com qualquer outro tipo de gene. Temos que diferenciar uma mutação ou erro em um gene, de sua expressão gênica - o modo como ele se manifesta. Dois gêmeos univitelinos, ou seja, dois clones, freqüentemente mostram como um mesmo defeito em um gene pode causar quadros muito distintos. Em um, leve tremor na mão, no outro, paralisia do braço inteiro. É um dos motivos que nos certificam que não há biunivocidade ou uma correlação direta entre genótipo e fenótipo, ou seja, nada, por mais grave que seja, é capaz de eliminar a subjetividade humana e, por conseguinte, a responsabilidade de cada um sobre o seu destino.
*Geneticista e diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano (USP)
Fonte: Veja.com

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