terça-feira, 15 de novembro de 2011

Roy Baumeister: “O autocontrole é mais importante que a autoestima”

Psicólogo americano defende que nossa avaliação sobre nós mesmos depende de sermos bem-sucedidos em controlar nossos impulsos
O psicólogo americano Roy Baumeister lançou recentemente o livro Willpower, sobre a importância do autocontrole
Por muito tempo, ouvimos que a autoestima era a coisa mais importante para a vida do indivíduo. Mas, nos últimos anos, alguns psicólogos decidiram desafiar essa noção baseados nos resultados de vários estudos. As pesquisas mostram que ter uma boa autoestima não garante bons resultados no trabalho ou na escola. O sucesso parecia depender mais da capacidade dos voluntários de controlar seus impulsos, de adiar o prazer imediato em nome de um objetivo maior no longo prazo. Se estiverem corretos, esses especialistas podem transformar a forma como educamos a nova geração.
Um dos principais representantes dessa nova corrente de pensamento é o psicólogo Roy Baumeister, da Florida State University, que lançou recentemente um livro para defender a importância do autocontrole na nossa vida. Willpower (Força de vontade) deve ser lançado no início do ano que vem pela editora Lafonte no Brasil. Saiba mais lendo a entrevista com o autor:
ÉPOCA – Seus primeiros estudos tinham a ver com autoestima. Por que o senhor mudou o foco para o autocontrole?
Roy Baumeister – Esperávamos que a autoestima tivesse uma relação com uma série de resultados na vida das pessoas, mas foi um fracasso. A autoestima mostrou-se mais uma consequência do que uma causa. O autocontrole é muito mais significativo para ajudar as pessoas a serem bem-sucedidas em suas vidas, a atingir seus objetivos.
ÉPOCA – Por que a ideia de autocontrole ficou de lado por tanto tempo?
Baumeister – Os vitorianos promoveram muito o autocontrole. Mas no início do século XX, com as guerras e o nazismo, ganhou força a ideia de que havia autocontrole demais. As pessoas queriam relaxar e aproveitar mais a vida.
ÉPOCA – O que é, exatamente, autocontrole?
Baumeister – O autocontrole é um processo, um tipo de ação e um traço de personalidade. E força de vontade é um dos ingredientes que nos ajudam a ter autocontrole. É a energia que usamos para mudar a nós mesmos, o nosso comportamento, e tomar decisões.
ÉPOCA – O que determina o nosso nível de autocontrole?
Baumeister – Ainda não temos detalhes sobre o papel da genética, mas assumimos que os genes influenciam tudo, pelo menos em partes. Isto posto, com autocontrole e força de vontade, fica claro também que é possível aprender. Nossa pesquisa mostra que é possível melhorar a força de vontade, mesmo em adultos. Dizemos que a inteligência e o autocontrole são os dois traços mais importantes para predizer uma vida bem-sucedida. Embora não seja possível aumentar a inteligência, é possível aumentar o autocontrole. Isso é uma oportunidade importante para a psicologia ajudar as pessoas a melhorar a própria vida.
A inteligência e o autocontrole são os dois traços mais importantes para predizer uma vida bem-sucedida"Roy Baumeister
ÉPOCA – O autocontrole é importante para a nossa sobrevivência e para as relações sociais. Por que, apesar de ser tão importante, ter autocontrole pode ser tão difícil?
Baumeister – O autocontrole é mais necessário para os humanos do que para outras espécies porque dependemos de sistemas sociais e culturais para sermos bem-sucedidos. Muitos animais podem sobreviver e se reproduzir sem muito autocontrole. A simples motivação diz ao animal que ele deve fazer o que tem que fazer para sobreviver e reproduzir: comer e fazer sexo. O autocontrole é mais complicado, porque permite à pessoa conter seus impulsos e fazer outra coisa. A estrutura mais simples diz para o indivíduo comer e se reproduzir. Mas foi preciso criar uma nova estrutura que permitisse controlar a anterior e dissesse: “Você quer fazer isso, mas não faça agora.” É um processo psicológico mais complicado e difícil do ponto de vista evolutivo. É por isso que a maioria dos animais não o tem, mas os humanos, sim. Precisamos de mais do que comida e sexo. Precisamos de dinheiro, de relações. Por isso necessitamos de um sistema que subordine os nossos impulsos. Temos mais autocontrole do que as outras espécies. Só não temos tanto quanto gostaríamos de ter.
ÉPOCA – Temos que ter mais autocontrole hoje do que no passado?
Baumeister – É difícil comparar as épocas. Hoje não estamos tão expostos ao risco de morte como costumávamos estar, mas a vida tem muito mais regras, e é mais complicada. Temos que trabalhar muito mais do que nossos ancestrais – como caçadores e coletores, eles costumavam trabalhar só 3 horas por dia. Depois disso, vieram os agricultores. É preciso mais controle para exercer essa atividade, mas não há tantas demandas complicadas e regras. Mas muitas das ocupações que temos na sociedade atual têm requisitos muito complicados, o que traz perigos e tentações. É preciso entender de muito mais coisa, se preocupar com muito mais coisa, inclusive com como o outro enxerga você. É difícil de comprovar isso, mas acho que a modernidade requer mais autocontrole do que o passado. Os agricultores, por exemplo, poderiam estar levemente intoxicados com álcool, seja vinho ou cerveja, enquanto trabalhavam. Mas isso não é possível para cumprir as funções em um escritório.
ÉPOCA – Que tipos de atividade exigem autocontrole e que tipos de tarefa prescindem dele?
Baumeister – O autocontrole é conter suas respostas para mudar como você age. Tarefas que pedem mais esforço nesse sentido vão afetar mais o seu “estoque” de força de vontade. Tarefas que exigem tomada de decisão também requerem muita força de vontade. É o que chamamos de “fadiga de decisão”.
ÉPOCA – Evitar tomar decisões é uma boa saída para preservar a força de vontade?
Baumeister – Não. Porque se ajustar a decisões tomadas por outros também requer autocontrole. É preciso ter força de vontade para tomar decisões, mas também para aceitar a situação quando não podemos mudá-la.
ÉPOCA – O autocontrole tem a ver com adiar a recompensa. É mais difícil fazer isso na sociedade imediatista em que vivemos?
Baumeister – De um lado há muito mais tentações. É possível gastar, online, em dez minutos, mais do que você deveria gastar em um ano. Por outro lado, há um aspecto positivo da tecnologia que nos ajuda com o autocontrole. É possível manter um registro de seus gastos, de seu peso, de sua rotina de exercício. A tecnologia pode funcionar a nosso favor.
ÉPOCA – Também podemos recorrer a outras pessoas para nos controlar. Isso é positivo?
Baumeister – Como seres humanos, tudo o que fazemos depende de outras pessoas, de interações sociais, comunicação e cultura. Enfrentamos problemas juntos e apoiamos uns aos outros a sair do problema. Podemos pedir a ajuda das pessoas para melhorar o nosso controle, para atingir nossos objetivos, para nos divertirmos. Envolver outras pessoas é uma parte central do que os humanos fazem.
ÉPOCA – O senhor afirma que o autocontrole é limitado e vai diminuindo conforme fazemos as tarefas. Como perceber quando o esse “estoque” já acabou?
Baumeister – É correto dizer que não há nenhum sintoma ou sentimento para nos avisar disso. Não sabemos o que está acontecendo e é por isso que é importante entender esses processos para antecipar os problemas. Hoje sabemos que, depois de tomar muitas decisões, ou de fazer algo difícil, a nossa força de vontade vai estar esgotada e é melhor não se expor a nenhuma tentação e evitar tomar decisões logo depois. Temos uma quantidade razoável de força de vontade, mas se não a usarmos corretamente e de maneira efetiva, podemos nos tornar mais vulneráveis aos perigos.
ÉPOCA – É por isso que o senhor sugere que as pessoas lidem com um problema de cada vez?
Baumeister – A vida corre e, a todo momento, precisamos usar nossa força de vontade para mudá-la. Recomendo concentrar em fazer uma mudança de cada vez, e não tentar mudar tudo de uma vez.
ÉPOCA – Um estudo mostrou que as pessoas pareciam ter mais força de vontade apenas por sentar-se eretas na cadeira. Como o senhor explica isso?
Baumeister – Isso tem a ver com tentar aumentar o autocontrole. É como se a força de vontade fosse um músculo que, exercitado com frequência, pode se tornar mais forte. A ideia de sentar-se com a coluna ereta é um tipo de exercício que as pessoas podem fazer por conta própria para aumentar sua força de vontade. É como uma prática para autocontrole. Poderia ser também fazer coisas com a mão esquerda, qualquer coisa que envolva alterar o comportamento de maneira sistemática. São exercícios que podem ser feitos quando outras áreas da vida não drenam nosso autocontrole. Fazer essas tarefas simples parece melhorar a capacidade de mudar nossos comportamentos de outras formas. Isso reforça a ideia de que todos os exercícios de força de vontade dependem de uma mesma fonte.
ÉPOCA – A questão da obesidade, um dos principais problemas atuais, é apenas uma questão de autocontrole?
Baumeister – Há muitas razões pelas quais as pessoas estão acima do peso. Em casos há uma falta de autocontrole, em outros há uma tendência genética. Não é justo dizer que as pessoas acima do peso têm pouco autocontrole.
ÉPOCA – Qual a melhor forma de não cair na tentação?
Baumeister – A melhor maneira de ter autocontrole é criar bons hábitos, fazer da mudança algo permanente, e não um episódio isolado. A chave está em encontrar uma maneira de se alimentar com a qual você possa viver com saúde sem ganhar peso. Quando fazemos algo com regularidade, precisamos de menos força de vontade para continuar fazendo. É preciso mais força de vontade para mudar do que para manter a mudança. Uma vez que você conseguiu estabelecer o novo hábito, pode tentar melhorar outra área de sua vida. A melhor forma para mudar um hábito é a repetição.

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