terça-feira, 22 de abril de 2008

A INVEJA É UMA...

Antes que tente se esquivar e complete a frase com alguma palavra chula, saiba que mais de 70% dos brasileiros já confessaram terem sido tomados por esse sentimento. Mas será que ele é sempre ruim?


Por Pamela Cristina Leme



"O ódio espuma. A preguiça se derrama. A gula engorda. A avareza acumula. A luxúria se oferece. O orgulho brilha. Só a inveja se esconde", adverte Zuenir Ventura no livro "Inveja - Mal Secreto" (Editora Objetiva). Listada pela Igreja Católica durante o Concílio de Trento (1545-1563), a inveja está entre os sete pecados capitais (batizados assim porque dão origem a outros) escolhidos para refletir sobre o crescimento do protestantismo da época, e também para criar um sistema que ajudasse os fiéis a memorizar os reais valores católicos.Mas até hoje a inveja ainda carrega o peso de ser um sentimento capaz de causar o sofrimento humano, e o dicionário dá uma força para afirmar essa predileção. De acordo com o Aurélio, esse sentimento se caracteriza pelo desgosto ou pesar de alguém com a felicidade de outra pessoa, bem como pelo desejo violento de possuir o bem alheio, o que confirma jargões como "a grama do vizinho é sempre mais verde" e "a inveja mata". O psicólogo e professor do Instituto de Psicologia da USP Ailton Amélio da Silva explica que "a inveja aparece quando outrem é dono de alguma coisa que não possuímos. Esse interesse produz vontades negativas, como a sensação de inferioridade que o próprio invejoso angaria e a vontade de que o outro perca o que tem. Por essa razão, a inveja não é considerada um sentimento nobre". "Algumas pessoas são mais suscetíveis a sentirem inveja que outras. O grau de inveja depende de como alguém foi tratado desde que nasceu, ou seja, se recebeu afeto, atenção e reconhecimento por suas conquistas", explica a psicóloga e analista junguiana Brenda Gottlieb, membro da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica. De acordo com a médica, a inveja nasce da frustração de algumas pessoas por se sentirem fracassadas em determinadas áreas da vida. Ela conta que, por não suportar a idéia de ser incapaz de conseguir aquilo que outro possui, o invejoso passa a boicotar, fofocar e tramar armadilhas para acabar com o prazer de outrem, a fim de provar para si mesmo que é melhor. Ainda assim, a médica afirma que é preciso ficar atento à inveja, já que ela indica um desejo reprimido e nem sempre é patológica. Por isso, devemos diferenciar a inveja da busca pelo bem-estar ou o desejo pela conquista do objeto que nos falta, sem práticas de humilhação e desonestidade com o próximo. "Inveja todo mundo tem. E todo mundo tem que ter, porque ela faz parte da psique humana. No entanto, é preciso saber que a inveja pode tanto destruí-lo como beneficia-lo", diz. "A inveja pode fazer com que as pessoas se esforcem para conseguir o que querem. Ela estimula a criação e é benéfica quando a busca pelo objeto pretendido não implica a decadência do outro."

Quem sente mais inveja?

Os especialistas consultados afirmam que entre homens e mulheres a incidência de inveja é a mesma. O que muda é a forma como cada sexo se manifesta. "As mulheres costumam ser mais competitivas no que diz respeito à beleza. A intensa valorização da estética pelos meios de comunicação cria um campo de hostilidade entre elas, tanto para protegerem seus parceiros quanto na busca por uma nova relação", sinaliza o professor do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo) Ailton Amélio, que escreveu o livro "O Mapa do Amor" (Editora Gente). "Os homens, por outro lado, são intensamente movidos pelo sucesso profissional, que está intrinsecamente ligado a auto-estima masculina", completa. Brenda salienta que a ala feminina é comumente classificada como a mais invejosa porque as mulheres expõem os sentimentos com mais facilidade. "A inveja não depende do sexo, mas, culturalmente, as mulheres lidam com seus sentimentos de forma mais aberta, já que sempre buscam exorcizar o que as perturba. Os homens, no entanto, tendem a reprimir mais o que sentem", aponta. Ainda assim, pesquisa realizada pelo Ibope em 2004, com homens e mulheres de todo Brasil, revelou que 70% dos brasileiros admitem terem sentido inveja. Para os profissionais, a inveja se perpetua apenas em grupos de pessoas que estão próximas. O sentimento costuma acontecer, com freqüência, entre colegas de trabalho e familiares.

"É típico o caso de irmãos que sentem inveja um do outro, porque acham que a mãe deu atenção para apenas um. Quanto mais próxima uma pessoa estiver de nós, maior as chances de sentirmos inveja. Isso porque são as pessoas que estão perto de nós que nos lembram o tempo todo como não conseguimos atingir certos objetivos de vida", sinaliza a analista junguiana.

Absolutamente malévolo ou não, o sentimento ecoa profundamente no inconsciente individual e coletivo, acompanhado, sem dúvidas, de um lado, da vergonha por sentir tão vil desejo e, de outro, do medo de exclusão e rejeição pelo meio social o qual se está inserido. Mas não é difícil imaginar que muita gente por aí, tal qual John Milton no filme "Advogado do Diabo" (EUA, 1997), no fundo pense: "A inveja é meu pecado favorito".

"O termômetro do sucesso é meramente a inveja dos descontentes." Salvador Dali

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